04/08/2020

A dú(vida) é a resposta


Quando o poder de viver a vida com que tanto se sonha é roubado para cobrir as necessidades das obrigações como membro da humanidade, de família e pessoa consciente da sua moralidade, ganha-se uma certa repulsa à vida. O medo de dar um passo maior que a perna e sentir a adrenalina de escapar uns segundos da rotina, já não é mais uma ânsia. Os medos desaparecem na corrida dos anos que passam sem que a reforma, de um posto que não se escolhe, chegue. E a indiferença vai crescendo das cinzas da inocência.

Se algum dia tiverem o atrevimento de perguntar: o que queres da vida? Sê descarado o suficiente para responder que a vida é que quer algo de ti e ainda não teve a coragem de o mostrar. E pouco mais. Porque ao fim de tantas tentativas apenas a resposta que esperamos será o único cenário significante. O antes será apenas um conjunto de experiências que nos guiam, continuamente, à resposta que a vida nos deve mas em nada se esmera em mostrar. A ironia continuará a ser uma prevalência na humanidade enquanto permitirmos que nos cegue. Demonstra-se penoso ver o quanto não somos capazes de ver o que está diante dos nossos olhos, em grande parte do tempo, que nos tornámos na espécie entendida em argumentação funesta. Não sei se a psicologia tem um nome para esta condição para que a possa categorizar como um distúrbio. Mas deveria. Porque todas estas dúvidas geram questões desconcertantes que terminam sempre em "porquê?" ou "será desta vez?".

Todos procuramos respostas às nossas carências mentais, uns mais que outros. Todos temos questões que gostaríamos de ver respondidas ou que tivessem sido feitas no momento oportuno. Todos temos dúvidas que preferíamos que fossem antes certezas. Mas vivemos mesmo assim na dúvida desconfortável porque a certeza, por vezes, é ridícula. Questionamo-nos tantas vezes o porquê da vida, mas no fundo a única explicação que procuramos em todas as perguntas retóricas é o significado da nossa essência. Quem sou eu? Apenas desejamos conhecer-nos com a mesma facilidade com que decoramos os gostos, necessidades, qualidades, afeições e limitações de alguém. Contudo se fosse assim tão fácil o que seria feito dos nossos pensamentos? Não são as respostas que importam mas as perguntas. O mistério está na dúvida, porque quanto maior o número delas mais próximos vamos ficando da natureza substancial do nosso ser. 

Apesar de a dúvida ser complexa e incompreendida é a insatisfação que mais nos incomoda. É a este nível que deixamos que as veias comecem a fervelhar o sangue que nos liberta os pulmões e nos tornamos Álvaro de Campos dos tempos modernos, como se o estado de espírito andasse na corda bamba entre a fase decadentista e a intimista. Este ênfase à desilusão que permanece e parece não querer terminar leva-nos constantemente à mesma resposta insolente - Não Sei! E esta fadiga que a vida assume como nossa é o prémio que se tornou mais um problema que um consolo. Como chegar ao próprio corpo se não temos energia para lá chegar? Como sabemos quem é o nosso eu se não temos a capacidade de descodificar o que sentimos, cada vez que nos sentimos?

Por vezes damos por nós a perguntarmo-nos o que teria sido de nós se tivéssemos tido a liberdade emocional e moral de podermos viver os nossos sonhos para além do hipotético. Não conseguimos evitar de pensar nos cenários que não tivemos oportunidade de viver, nas experiências que podíamos ter tido, as asneiras que podíamos ter cometido e aprendido. Ainda assim, não somos capazes de ignorar que os valores sob os quais nos tentamos descobrir são fruto da vida que não escolhemos, nem sonhámos. 

E todos os dias vamos adormecer a sonhar com a vida que queremos para amanhecer fortalecidos na realidade que nos foi reservada por algum motivo.

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