04/02/2018

A chuva no telhado


Os carros passam. A chuva não pára. 
Debruçada na janela 
caída sob o céu escuro 
encontro-me na plateia assistente ao drama 
da minha própria vida. 
Neste desassossego que me abate a alma 
sinto falta de mais. 
Sinto em mim uma depressiva mágoa 
por cada estrela que não conto, 
por cada luar que não aplaudo. 
A tristeza de existirem noites que não me encantam 
é um desespero que não aguento, 
um abraço que não sinto. 
Vejo de longe quem sou, onde vou 
e o que quero em cada esquina de cada canto. 
Vejo o meu passado por detrás da nuvem escura 
e sinto uma presença que não conheço. 
Mas sempre que tiver o que não conheço, 
sempre vou querer mais para além do que vou sabendo. 
A cidade não sabe o que vejo nem vê o que sinto. 
Não tem espaço para os mortais 
nem conhecimento para os vivos. 
A cidade não é minha, a cidade não é de ninguém. 
O senhor António passou no vermelho, 
a multa não tarda e o elogio nunca vem. 

O chá está quente. A preguiça incomoda-me. 
A luz ficou acesa. O livro na cabeceira. 
O gato veio de mansinho pedir mimo. 
E lá fora já não chove.

5 comentários so far

  1. Que lindo poema, há noites assim bem tristes e parece que não passam as horas.
    https://retromaggie.blogspot.pt

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  2. Que bonito, Inês! Tão bem escrito e sentido! Beijinhos*

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  3. Escreves tão bem Inês! Gostei muito de ler o teu texto :) Beijinhos

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