08/01/2018

A carta a um estranho


Segunda, 8 de janeiro 2018

Vi-te passar na rua no outro dia. Não sei se reparaste em mim a olhar-te, e eu também não sei qual o teu nome mas deste-me a sensação de te conhecer a vida inteira. O estranho. É assim que me lembro de ti sempre que vejo passar quem não conheço, sempre que passo aleatoriamente pelos meus pensamentos perdidos no silêncio da noite.

Quando me perguntam se alguma vez sorri a um estranho, respondo que te conheci a ti. Estavas à distância de um passeio ao outro da estrada, mas foi como se estivéssemos do mesmo lado em direções opostas que nos obrigavam a cruzar olhares intimidantes e tão naturais quanto o inevitável comportamento do homem. 

Mas eu estava só, nos dois sentidos mais latos, sentada num banco de autocarro à espera que se fizesse tempo até casa. Enquanto o tempo passava, os vidros ofuscavam-me o olhar entre flashes de supostos edifícios, cores neutras e ruínas de uma cidade pouco nova. O tempo até se passava - o costume; e o rock dos anos 80, que me zumbia nos ouvidos, chegava a animar a um nível satisfatório toda a monotonia da viagem. E de repente apareces-te por breves miragens nos meus olhos a quebrar-me o ritmo habitual e vi-te em plena lucidez por meros segundos. Na rapidez de um olhar certo e instantâneo soube quem eras, davas-me boas energias e não era o barulho da música, eras tu. Perguntei-me o quão cansativo é ser-se genuíno, e perguntei-te a ti: "de que planeta és?". A minha cabeça não soube imaginar o equivalente ao que seria a tua resposta, então fiquei-me por ali. Estava de mãos geladas e com um vidro desembaciado marcado pelas mãos que não sentia. Já não te conseguia ver. Não te vi tanto quanto desejei, mas vi-te e bastou. Só te soube sorrir, mas hoje sei que soube tudo o que bastava. Conhecer-te fez-me acreditar que as coincidências existem e tu foste a coincidência mais bonita que tive.

3 comentários so far

  1. Coincidências que nos podem fazer felizes por momentos ou por uma vida inteira. Adorei este post. Um beijinho

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  2. Inês, como sempre, fico sem palavras com as tuas publicações <3
    Sim, muitas vezes estamos presos nestes pensamentos/relações tóxicos e só notamos quando nos afastamos da situação e avaliamos o que se está a passar. Por mais difícil que seja, vais ver que é uma mudança necessária!

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  3. Inês, tão bonito este texto e tão bonito este teu cantinho. ;) Obrigada

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